As mulheres Xavante voltaram felizes para suas casas. Durante três dias e duas noites elas andaram por seu território fazendo algo que gostam muito: coletando.
Por Lilian Brandt / AXA
Um grupo de índios da etnia Xavante esteve em uma expedição por seu território do dia 10 ao dia 12 de novembro. A expedição aconteceu na Terra Indígena Marãiwatsédé, localizada nos municípios de Bom Jesus do Araguaia, São Félix do Araguaia e Alto da Boa Vista, Mato Grosso. O grupo de mais de 40 pessoas era em sua maioria formado por mulheres de todas as idades.
“Minha casa é bonita”, disse Lídia. Sua casa no mato era menor que a casa da aldeia, mas também muito fresquinha e bem protegida da chuva. Era toda de galho e folha verde, feita ali rapidinho: enquanto umas cortavam a madeira, outras faziam os buracos. Depois trançavam os galhos, enquanto outras já iam mais longe buscar folha de palmeira. Ninguém tinha preguiça.

Maria Auxiliadora dentro da casa temporária que ajudou a construir, com sua família o jabuti que pegou.
Os homens saíram para caçar e voltaram com tamanduá e caititu. Tinha tatu pra todo lado, e as mulheres mostraram que também sabem caçar. O jabuti voltou vivo, para compartilhar com a família que ficou na aldeia. A caça ganha um sentido diferente tratando-se de indígenas. Não está ali apenas um alimento, está a confirmação do casamento, a expressão do amor familiar e a satisfação de ser Xavante.
Durante o dia, as nuvens de chuva pairavam no horizonte. Mas à noite as estrelas apareceram e muita gente dormiu fora. Terezinha achou bom dormir perto do fogo olhando as estrelas.
Por três dias eles coletaram raízes medicinais, madeira para arco e flecha, fibras para a produção de artesanatos, sementes, diversos tipos de cocos e todo pequi e manga que conseguiram carregar. Em cada material que voltava para casa, iam também memórias de quando podiam andar pelo território livremente, iam aprendizados e vivências que tiveram em outras terras, depois de terem sido retirados de seu território na década de 1960.
Reconhecer para recuperar
Em 2004, os Xavante voltaram para a sua Terra Indígena, mas puderam ocupar apenas uma pequena área, que, como grande parte do território, já estava devastada. Somente em 2013 a desintrusão do território foi concluída e agora, finalmente, os Xavante podem reconhecer sua terra.
Estas expedições são chamadas pelos Xavante de “dzo´omori”. Elas geralmente ocorrem na época da seca e, tradicionalmente, podem durar meses. O dzo´omori tem uma grande importância na cultura, pois garante materiais para artesanatos e alimentos que não estão disponíveis nas proximidades da aldeia.
A OPAN – Operação Amazônia Nativa, já apoiou três dzo´omori, como parte do projeto “Reconhecer para recuperar: etnomapeamento como ferramenta de gestão ambiental e territorial da Terra Indígena Marãiwatsédé”. A Funai – Fundação Nacional do Índio é parceira do projeto, que conta com recursos do PDPI – Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas.
Marcelino Soyinka, consultor da OPAN, sistematizará mapas feitos a partir do entendimento xavante sobre seu território, sua fauna e sua flora. Para uma participação efetiva dos indígenas, ocorreram capacitações em cartografia e em uso de GPS.
O projeto apoiou também algumas microexpedições e foram elaborados calendários sazonais sobre as atividades de caça, pesca, coleta e roça. “Os mais velhos ainda trazem na memória os caminhos e as paisagens, mas os mais novos não”, disse Marcelino Soyinka. Para que os jovens se apropriem de sua cultura, o projeto incentiva a troca de saberes entre os anciões e os jovens, tanto em espaços de reunião como em campo.
Imagens: Lilian Brandt